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A PISTA DE CURITIBA

Fruto de uma iniciativa de entusiastas do automobilismo e do Governo do Estado do Paraná, a ideia de ter uma Pista em Curitiba surgiu devido à explosão do esporte à motor após a segunda guerra mundial, popularização dos automóveis e devido às provas de rua e de estrada que passaram a ser organizadas na época.

Curitiba já sediava corridas nos chamados circuitos de rua e provas de estrada havia alguns anos, algumas provas se tornaram tradicionais, incluindo as 6 horas de Curitiba (circuito de rua) e a prova Grande Prêmio Rodovia do Café (circuito de estrada entre Curitiba e Apucarana).

Com o crescente interesse, aumento de participantes, eventos e espectadores, logo, a questão de segurança, tanto para os participantes quanto para o público, se tornou um ponto importante. À época, a estrutura destinada à segurança era precária, se limitando a pneus, feixes de feno e cordões de isolamento. Muitas vezes, apenas o meio fio separava os espectadores dos pilotos e suas máquinas. Houve acidentes fatais e devido a isso o interesse em se destinar uma área própria para a prática do esporte se tornou latente.

Em meados da década de 60, entusiastas e o Governo do Estado em conjunto com o Automóvel Clube do Paraná, foi lançada a pedra fundamental para o início da construção de uma pista destinada ao esporte à motor na região de Curitiba, mais especificamente no município de Piraquara (posteriormente a região do autódromo passou a fazer parte do Município de Pinhais por meio do seu desmembramento e emancipação, em 1992). A área foi doada por empresário cafeeiro ao Automóvel Clube do Paraná. Ayrton "Lolô" Cornelsen e o empreiteiro Flávio das Chagas Filho foram incumbidos da construção. Durante visita ao terreno que futuramente sediaria o autódromo, um entusiasmado Lolô rascunhou o projeto da pista, que entre outras novidades para a época, idealizava, além do circuito "misto", um anel externo estilo "oval" (em alta na época) e uma reta para provas de arrancada. Lolô, à época, já trabalhava na construção do autódromo de Jacarepaguá no Rio de Janeiro (de sua autoria) e, posteriormente, ainda teria projetado e participado da construção das pistas de Goiânia em Goiás, Estoril em Portugal e Luanda na África.

Foi constituída uma Agremiação, como era comum na época, visando que os próprios associados pudessem custear a construção da pista por meio da aquisição de cadeiras perpétuas, contudo não se obteve êxito e as obras não puderam ser concluídas. 

Após a construção do traçado estar concluída, a pista em forma de saibro e cascalho passou a ser utilizada em provas não oficiais (clandestinas) pelos aficionados e pilotos locais.

Em 1967, após a intervenção e custeio do Governo do Estado do Paraná, a pista foi inaugurada totalmente asfaltada e com infraestrutura mínima para cronometragem, acolhimento das equipes e espectadores.

Tendo sido a segunda a receber provas oficiais no Brasil, a pista logo se consolidou como referência e passou a receber os mais diversos eventos de relevância regional, nacional e internacional, tendo tido papel determinante no desenvolvimento do esporte a motor. Naqueles primeiros anos, um esporte ainda incipiente e em formação, a pista ajudou a moldar o automobilismo como o conhecemos hoje e foi crucial para a sua consolidação como o segundo maior esporte nacional. Pilotos de renome como Bird Clemente, os irmãos Emerson e Wilson Fitippaldi, José Carlos Pace, Luiz Pereira Bueno, Camilo Christófaro, entre outros pioneiros do esporte a motor no Brasil, foram figuras que marcaram presença nas provas ali organizadas.

A década de 80 foi marcada pelo declínio e desuso da pista. Divergências entre Flávio e Lolô, que constavam oficialmente como proprietários da área, resultaram no seu fechamento temporário, época em que a pista foi apelidada de "vacódromo" em uma paródia ao termo "autódromo" já que acabara se tornando pasto para os animais ao invés de receber as provas de automobilismo.

Ao final dos anos 80, mais uma vez com a intervenção e aporte de recursos do Governo do Estado do Paraná, a pista foi totalmente reformada e trazida para padrões atuais. O traçado original foi alterado, segundo proposto por Lolô, e a pista foi completamente reasfaltada passando a contar com novas estruturas para equipes, paddocks, cronometragem e espectadores. A pista, com o novo investimento, passou novamente a receber eventos e a participar do cenário nacional de provas de automobilismo.

Em meados dos anos 90, um grupo de empresários se interessou em efetuar um ambicioso projeto de remodelação da pista para eleva-la a padrões internacionais padrão FIA. O projeto previa a destruição das estruturas existentes, reconstrução da pista, paddocks, torre de cronometragem, construção de estruturas fixas para arquibancadas, reta de arrancada e um grande investimento para tornar a pista referência. Eram anos de euforia, o ápice da era de ouro do Brasil que já contava com Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna como campeões mundiais de Fórmula 1, além do incrível título do cidadão local Raul Boesel no Campeonato Mundial de Esporte Protótipos da FIA em 1987 (categoria abaixo apenas da F1 em termos de prestígio e importância). O automobilismo estava em alta e o Brasil precisava, mais uma vez, de uma pista em linha com padrões internacionais, uma vez que Interlagos e Jacarepaguá se viam em condições precárias.

A pista foi reinaugurada em 1996 e recebeu o BPR Global GT Series (nova categoria que surgiu para preencher o vazio deixado pela extinção do WSPC e que foi a precursora do FIA GT e, subsequentemente, do atual campeonato de carros GT3 e do WEC - Campeonato Mundial de Endurance) como prova internacional, marcando esta nova fase do circuito, que passou a ser reconhecida como a melhor pista do Brasil e uma das melhores do mundo, tanto em termos de infraestrutura para equipes e espectadores, como em segurança para os pilotos. A pista agora contava com áreas de escape em brita (criação de Lolô que foi adotada mundo afora como medida padrão de segurança pela FIA). Em 1997 o retão de concreto destinado às provas de Arrancada foi inaugurado com o grande Festival de Velocidade Brasil x EUA. Esta prova icônica contou com a participação de dragsters da categoria Top Fuel e Funny Car norte-americanos, coisa inédita no Brasil, e atraiu centenas de milhares de entusiastas para verem suas performances serem apresentados nas novas torres de cronometragem que exibiam o resultado das corridas em tempo real. Ambos os eventos contaram com cobertura pelas mídias nacional e internacional, tendo sido transmitidas ao vivo na TV.

Após isso, a pista passou a receber regularmente eventos de importância regional, nacional e internacional, e se tornou a casa da Stock Car e da Fórmula Truck, além de sediar eventos de Fórmula 3 nacionais e sul-americanos, diversas provas de fórmula e turismo locais.

Talvez o ápice da pista em termos internacionais tenha sido os anos de 2006 a 2012, quando a pista foi a sede brasileira do Campeonato Mundial de Carros de Turismo (WTCC) da FIA, em eventos promovidos e custeados pelo Governo do Estado do Paraná. Em 2007, contou, inclusive, com a vitória do piloto local Augusto Farfus em uma BMW de equipe oficial de fábrica, momento marcante e inesquecível para a história do automobilismo local.

Curitiba também foi palco de provas nacionais e internacionais de longa duração icônicas. Desde sua fundação, recebeu provas em diversos formatos até que em 1993 surgiram as 12 horas de Curitiba que ocorreram por diversos anos, contando com largada noturna. Em uma época em que as provas noturnas não contavam com iluminação artificial, grande era o desafio aos pilotos, que precisavam navegar no escuro pelo traçado, dependendo apenas dos faróis dos carros.

Em 1999 a pista sediou as 1000 milhas brasileiras, a prova de maior prestígio no cenário das provas de longa duração no Brasil, remontando ao início das atividades automobilísticas do país.

Após estes grandes anos, tendo se consolidado como uma referência nacional e internacional e contando com provas de calibre a pista passou a ser vítima da má situação financeira do grupo que a assumiu na década de 90. Passaram a surgir boatos do seu fechamento e após anos de ameaça, em 2016 foi anunciado o término das atividades para a construção de um condomínio na área. Figuras de relevância no cenário nacional, como o comentarista de F1 Reginaldo Leme, apresentaram projeto para o prosseguimento de suas operações, mas foram rejeitados pelos proprietários. Contudo, após o comunicado de fechamento foi anunciado que havia sido garantido seu custeio e que permaneceria em funcionamento por tempo indeterminado. Contudo, o que se viu, na prática, foi a mudança na gestão, que passou a remover estruturas da pista, cancelar contratos, suspender eventos e, até mesmo, não renovar alvará de funcionamento das arquibancadas. Aos poucos a pista parou de receber grandes eventos, mas ainda se mantendo em atividade com provas regionais, track days e eventos particulares. Ao fim de 2021, foi anunciado o projeto para seu loteamento e o que se viu na sequência é o retrato do que já vem se praticando mundo afora há décadas, os interesses da especulação imobiliária na figura de empresários gananciosos e homens públicos corruptos, incompetentes e inescrupulosos a favor da destruição das áreas de prática do automobilismo, sem as quais ele não há, palcos de eventos históricos que marcaram gerações e auxiliaram na construção da cultura automobilística e do esporte à motor e que foram fundamentais para o desenvolvimento do esporte e da indústria automotiva, bem como das regiões em que estavam sediadas.

A mensagem que fica é que o encerramento de uma pista de corridas, não apenas apaga a memória da sua história e sua cultura, mas decreta o fim do esporte à motor e de todos os benefícios que seus eventos trazem para o município e região que os hospedam, e que, ao contrário do que narrativas falaciosas propõem, não é apenas uma área para prática de esporte de rico, e seu fechamento é responsável por perdas em todas as áreas, como o turismo, transporte, hotelaria, gastronomia, além das enormes perdas em termos de arrecadação de impostos tanto nas esferas Federal, como na Estadual e Municipal, porque o esporte a motor não se resume apenas às receitas de um evento, mas de toda uma indústria que gira ao seu redor, tanto de autopeças, como de indumentária, equipamentos, a consumíveis como peças de reposição, pneus, combustível e lubrificantes, etc. e gera um vazio que se reflete também no setor de empregos, pois resulta no fechamento ou mudança de região de equipes, demissão de funcionários como engenheiros e técnicos, além de todo um comércio que gira em função de eventos, desde impressoras de cartazes e banners, passando por produção de produtos licenciados, empresas que fornecem alimento no local até os informais que se favorecem com os eventos.

Perdem todos com o fechamento de uma pista, a população, os praticantes, as equipes, os organizadores, a indústria, o turismo como um todo, o Município e o Estado com a perda de divisas e da visibilidade que apenas grandes eventos automobilísticos trazem.

O evento das 12h Curitiba foi criado para homenagear a nossa pista, para manter viva sua história, tradição e cultura e para celebrar o que há de melhor no esporte à motor pelas vias do mundo virtual. Sendo a prova inaugural no circuito internacional de eventos de longa duração a colocar o nome do Brasil no mapa das provas tradicionais. 

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